Por Vladimir Passos de Freitas
A Justiça Militar é o ramo mais desconhecido do Poder Judiciário brasileiro. A legislação dificilmente é estudada nas Faculdades de Direito. Não é raro o estudante formar-se sem ter a menor noção de sua história, competência e importância.
A Justiça Militar divide-se em Federal e Estadual. Aquela tem por finalidade apurar os ilícitos penais atribuídos aos integrantes das Forças Armadas, com base no Código Penal Militar (Decreto-Lei 1001/69). Esta tem o mesmo objetivo, todavia, direcionado aos membros da Polícia Militar dos Estados. O processo dos crimes militares é regulado pelo Decreto-lei 1.002/69.
A competência da Justiça Militar Federal está na Constituição Federal, artigos 122 a 124, e a da Estadual, nas respectivas Constituições ou Leis Estaduais. Consiste, basicamente, em “processar e julgar os crimes militares definidos em lei” (CF, artigo 124). Seus juízes recebem o mesmo que os seus colegas de igual hierarquia, na Justiça Federal ou Estadual, conforme o caso. Os Juízes Militares sujeitam-se aos mesmos direitos e deveres dos demais magistrados, expressos na CF, artigo 93, na LC 35/79, Lei Orgânica da Magistratura Nacional, na Lei de Organização Judiciária da Justiça Militar Federal (8.457/02) e, para a Justiça Militar Estadual, nas leis estaduais respectivas.
Do ponto de vista histórico, a JM tem no Superior Tribunal Militar (STM) o mais antigo Tribunal do Brasil, criado que foi “em 1º de abril de 1808, pelo Príncipe-Regente D. João VI, com a denominação de Conselho Supremo Militar e de Justiça. Com o advento da República, passou a chamar-se Supremo Tribunal Militar e mais tarde, a Constituição de 1946 consagrou o nome atual: Superior Tribunal Militar” (http://www.stm.jus.br/).
Vejamos a estrutura da Justiça Militar Federal. O STM conta com 15 Ministros, dos quais 10 Oficiais-Generais das Forças Armadas e cinco civis, sendo que destes apenas um é juiz auditor. Como se vê, os juízes de carreira não foram prestigiados pela Constituição. O Corregedor da Justiça Militar não é um Ministro, mas sim um Juiz de primeira instância que atua na chamada “Auditoria de Correição”.
Na primeira instância existem 10 Circunscrições Judiciárias, sendo a mais antiga a do Rio de Janeiro, que abrange os estados do RJ e ES e conta com quatro auditorias militares. Elas são sempre localizadas nas capitais dos Estados, exceto no Rio Grande do Sul, onde há uma Auditoria em Porto Alegre, uma em Bagé e outra em Santa Maria.
O julgamento nas Auditorias é colegiado e não individual. É exercido pelos chamados Conselhos Especiais e Permanentes de Justiça, compostos por um juiz auditor e quatro oficiais das Forças Armadas, sendo presididos pelo oficial de posto mais elevado.
O movimento de ações na JMF é sabidamente pequeno, se comparado às Varas da Justiça Federal e Estadual. Contudo, salvo melhor juízo, não foram colocados no site do Conselho Nacional de Justiça, no setor de estatísticas, “Justiça em Números” (http://www.cnj.jus.br/ ), o que vai contra o princípio da transparência. No entanto, em 13 de maio o Senado aprovou o PL 12/10, que cria mais 132 cargos na Justiça Militar da União.
A JMF viveu, no tempo do regime militar, período de enorme relevância, pois a ela cabia processar e julgar os que eram denunciados por crime contra a segurança nacional. As auditorias julgavam os presos políticos com severidade. Na época, o STM teve um papel importante ao atenuar e adequar as graves penas que eram impostas.
A Justiça Militar dos Estados tem previsão no artigo 125, parágrafo 4º da CF, cabendo-lhe “processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”.
Na segunda instância poderão ser criados Tribunais de Justiça Militar Estaduais. Todavia, apenas MG, SP e RS valeram-se deste permissivo, sendo que nos demais estados os julgamentos são feitos pelo Tribunal de Justiça. O CNJ promoveu em dezembro de 2008 uma correição no TJM do RS, tendo constatado morosidade nos julgamentos e falta de transparência na distribuição (http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8346&Itemid=1016).
A competência da Justiça Militar tem gerado inúmeras dúvidas. O STJ editou várias Súmulas, visando definir as atribuições. Por exemplo, cabe à Justiça Estadual julgar acidente de trânsito envolvendo PMs, exceto se autor e vítima estiverem em atividade (Súmula 6), PM que promova ou facilite fuga de preso (Súmula 75) e por abuso de autoridade (Súmula 172). Por sua vez, reconhece-se a competência da JME para os casos de PM praticar crime contra civil usando arma da corporação (Súmula 47) e PM que tenha praticado o crime militar em outra unidade da Federação (Súmula 78). No caso de crimes conexos, entre PM e Policial Civil, caberá à JME julgar o PM e à JE julgar o civil (Súmula 90).
Na Constituição de 1988 houve um movimento forte pela extinção da Justiça Militar dos Estados, sem sucesso. Atualmente o tema saiu da pauta de discussões, mas o Promotor de Justiça gaúcho, João Barcelos de Souza Júnior, formulou críticas sérias à atuação da Justiça Militar Estadual (http://magrs.net/?p=592).
Cumpre registrar, ainda, que há peculiaridades da Justiça Militar que estão inadequadas à Constituição Federal e à própria época em que vivemos. Por exemplo, o artigo 105 do Cód. Penal Militar prevê a perda do pátrio poder daquele que for condenado a mais de dois anos de prisão. Assim, quem passar cheque sem fundos (artigo 313), cuja pena pode ser de até cinco anos, poderá perder o pátrio poder. O artigo 235 pune a pederastia ou outro ato de libidinagem com seis meses a um ano de detenção.
Na Argentina a Justiça Militar foi extinta pela Lei 26.394, de 2008, que revogou o antigo Código de Justiça Militar, do ano de 1951. Os crimes militares foram introduzidos no Código Penal e o processamento é o normal do Código de Processo Penal.
Discutir, analisar e divulgar a Justiça Militar é sempre oportuno, não apenas pelos estudantes de Direito que precisam conhecer este ramo do Poder Judiciário, mas por toda sociedade brasileira que, no regime democrático em que vivemos, deve estudá-la com maturidade e isenção.
A Justiça Militar é o ramo mais desconhecido do Poder Judiciário brasileiro. A legislação dificilmente é estudada nas Faculdades de Direito. Não é raro o estudante formar-se sem ter a menor noção de sua história, competência e importância.
A Justiça Militar divide-se em Federal e Estadual. Aquela tem por finalidade apurar os ilícitos penais atribuídos aos integrantes das Forças Armadas, com base no Código Penal Militar (Decreto-Lei 1001/69). Esta tem o mesmo objetivo, todavia, direcionado aos membros da Polícia Militar dos Estados. O processo dos crimes militares é regulado pelo Decreto-lei 1.002/69.
A competência da Justiça Militar Federal está na Constituição Federal, artigos 122 a 124, e a da Estadual, nas respectivas Constituições ou Leis Estaduais. Consiste, basicamente, em “processar e julgar os crimes militares definidos em lei” (CF, artigo 124). Seus juízes recebem o mesmo que os seus colegas de igual hierarquia, na Justiça Federal ou Estadual, conforme o caso. Os Juízes Militares sujeitam-se aos mesmos direitos e deveres dos demais magistrados, expressos na CF, artigo 93, na LC 35/79, Lei Orgânica da Magistratura Nacional, na Lei de Organização Judiciária da Justiça Militar Federal (8.457/02) e, para a Justiça Militar Estadual, nas leis estaduais respectivas.
Do ponto de vista histórico, a JM tem no Superior Tribunal Militar (STM) o mais antigo Tribunal do Brasil, criado que foi “em 1º de abril de 1808, pelo Príncipe-Regente D. João VI, com a denominação de Conselho Supremo Militar e de Justiça. Com o advento da República, passou a chamar-se Supremo Tribunal Militar e mais tarde, a Constituição de 1946 consagrou o nome atual: Superior Tribunal Militar” (http://www.stm.jus.br/).
Vejamos a estrutura da Justiça Militar Federal. O STM conta com 15 Ministros, dos quais 10 Oficiais-Generais das Forças Armadas e cinco civis, sendo que destes apenas um é juiz auditor. Como se vê, os juízes de carreira não foram prestigiados pela Constituição. O Corregedor da Justiça Militar não é um Ministro, mas sim um Juiz de primeira instância que atua na chamada “Auditoria de Correição”.
Na primeira instância existem 10 Circunscrições Judiciárias, sendo a mais antiga a do Rio de Janeiro, que abrange os estados do RJ e ES e conta com quatro auditorias militares. Elas são sempre localizadas nas capitais dos Estados, exceto no Rio Grande do Sul, onde há uma Auditoria em Porto Alegre, uma em Bagé e outra em Santa Maria.
O julgamento nas Auditorias é colegiado e não individual. É exercido pelos chamados Conselhos Especiais e Permanentes de Justiça, compostos por um juiz auditor e quatro oficiais das Forças Armadas, sendo presididos pelo oficial de posto mais elevado.
O movimento de ações na JMF é sabidamente pequeno, se comparado às Varas da Justiça Federal e Estadual. Contudo, salvo melhor juízo, não foram colocados no site do Conselho Nacional de Justiça, no setor de estatísticas, “Justiça em Números” (http://www.cnj.jus.br/ ), o que vai contra o princípio da transparência. No entanto, em 13 de maio o Senado aprovou o PL 12/10, que cria mais 132 cargos na Justiça Militar da União.
A JMF viveu, no tempo do regime militar, período de enorme relevância, pois a ela cabia processar e julgar os que eram denunciados por crime contra a segurança nacional. As auditorias julgavam os presos políticos com severidade. Na época, o STM teve um papel importante ao atenuar e adequar as graves penas que eram impostas.
A Justiça Militar dos Estados tem previsão no artigo 125, parágrafo 4º da CF, cabendo-lhe “processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”.
Na segunda instância poderão ser criados Tribunais de Justiça Militar Estaduais. Todavia, apenas MG, SP e RS valeram-se deste permissivo, sendo que nos demais estados os julgamentos são feitos pelo Tribunal de Justiça. O CNJ promoveu em dezembro de 2008 uma correição no TJM do RS, tendo constatado morosidade nos julgamentos e falta de transparência na distribuição (http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8346&Itemid=1016).
A competência da Justiça Militar tem gerado inúmeras dúvidas. O STJ editou várias Súmulas, visando definir as atribuições. Por exemplo, cabe à Justiça Estadual julgar acidente de trânsito envolvendo PMs, exceto se autor e vítima estiverem em atividade (Súmula 6), PM que promova ou facilite fuga de preso (Súmula 75) e por abuso de autoridade (Súmula 172). Por sua vez, reconhece-se a competência da JME para os casos de PM praticar crime contra civil usando arma da corporação (Súmula 47) e PM que tenha praticado o crime militar em outra unidade da Federação (Súmula 78). No caso de crimes conexos, entre PM e Policial Civil, caberá à JME julgar o PM e à JE julgar o civil (Súmula 90).
Na Constituição de 1988 houve um movimento forte pela extinção da Justiça Militar dos Estados, sem sucesso. Atualmente o tema saiu da pauta de discussões, mas o Promotor de Justiça gaúcho, João Barcelos de Souza Júnior, formulou críticas sérias à atuação da Justiça Militar Estadual (http://magrs.net/?p=592).
Cumpre registrar, ainda, que há peculiaridades da Justiça Militar que estão inadequadas à Constituição Federal e à própria época em que vivemos. Por exemplo, o artigo 105 do Cód. Penal Militar prevê a perda do pátrio poder daquele que for condenado a mais de dois anos de prisão. Assim, quem passar cheque sem fundos (artigo 313), cuja pena pode ser de até cinco anos, poderá perder o pátrio poder. O artigo 235 pune a pederastia ou outro ato de libidinagem com seis meses a um ano de detenção.
Na Argentina a Justiça Militar foi extinta pela Lei 26.394, de 2008, que revogou o antigo Código de Justiça Militar, do ano de 1951. Os crimes militares foram introduzidos no Código Penal e o processamento é o normal do Código de Processo Penal.
Discutir, analisar e divulgar a Justiça Militar é sempre oportuno, não apenas pelos estudantes de Direito que precisam conhecer este ramo do Poder Judiciário, mas por toda sociedade brasileira que, no regime democrático em que vivemos, deve estudá-la com maturidade e isenção.
Vladimir Passos de Freitas desembargador Federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2010-jun-06/segunda-leitura-questionada-conhecida-jutica-militar
Acessado em 01.07.2010, as 19h59min.
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